Na Feira de S. Martinho de Anta

S. Martinho de Anta
Não há tripas nem meias tripas, há convivência!


Já se viu alguém, de alma bem-disposta, saborear tripas à moda do Porto logo pela manhã? Não uma manhã qualquer, mas uma manhã de feira, às dez horas, quando o sol já se insinua pelas encostas, e o vinho tinto — encorpado, cúmplice — acompanha o prato fumegante. Há quem prefira o branco, e fá-lo com a mesma convicção com que se escolhe um caminho entre dois trilhos de terra batida.

— Tinto ou branco?

— Branco, eu cá sou franco!

Não será, pois, um pequeno-almoço no sentido estrito. Talvez o chamem “mata-bicho”, embora essa costumeira aconteça muito mais cedo, quando o dia ainda se espreguiça. E digo “mata-bicho” com reverência, pois nestas terras do interior, as palavras têm peso, têm história, são relíquias vivas que nas cidades do litoral já se ouvem apenas como ecos de um tempo que perde o equilíbrio.

Diz-se por aí que as conversas são como as cerejas, advindo potenciadas pelos vinhos que aprimoram as simulações entre uns e outros.

Ouve-se:

— Não posso falar muito, ainda agora me levantei.

— Quanto mais falo, mais me perco.

— Eu não ouço nada, só ouço aquilo que me convém!

Tripas às dez da manhã, vinho a condizer, em plena feira de São Martinho de Anta. Junta-se a isso a conversa — temperada a 25% com antibióticos, amizade, assim se espera, filosofia de bolso e umas quantas asneiras que, longe de ofenderem, ajudam a digerir o grosso e o delgado, mais grosso que delgado, é verdade, esse par inseparável que se serve à mesa a ferver, como quem oferece um abraço quente em dia frio. Por acaso, estamos ainda no verão, mas já se vislumbram ares de outono.

E se há antipatias por de mais aziadas que se desfazem com o calor da malga, há também sorrisos e amabilidades que florescem por entre os rostos da feira. Não se mostram todos, por respeito aos que têm nervos mais delicados, mas estão lá como flores silvestres que não precisam de aplausos para se distinguirem.

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